Por que é importante combinar Arte e Ciência para alavancar processos de transformação?

O ser humano é um ser que transforma sua realidade. A evolução humana é pautada em momentos nos quais a humanidade transformou recursos, criou processos e interagiu entre si para criar algo e que a permitisse sobreviver e lidar melhor com a realidade em que estava inserida. Do fogo que tudo transmuta ao advento das redes sociais, tudo vem da capacidade humana de transformar.

Portanto é esperado que o tema Transformação esteja sempre em evidência nas organizações. Nos últimos anos (alô pandemia!) foi excessivamente tratado. Muito se falou primeiro da necessidade de transformação digital, o que foi feita a trancos e barrancos para atender uma demanda de interações digitais que mudou o panorama do mundo do trabalho. Também se falou de transformações no comportamento das pessoas, do comportamento dos clientes e do mercado, das transformações que geraram novos mercados e produtos, na necessidade de transformações que gerassem maior sustentabilidade, e por aí vai.

Mas há um paradoxo nesta história. Ao mesmo tempo em que lida com a necessidade de transformação o ser humano busca a estabilidade. O que é confortável, conhecido, previsível e controlável. Todos estes adjetivos certamente não se aplicam a processos de transformação. A transformação é um processo que traz mudanças radicais ao contexto, que define uma nova direção e leva a organização a um nível totalmente diferente de eficácia, com pouca ou nenhuma semelhança com o passado.

O que temos visto agora, passado o furacão pandêmico? Uma volta a modelos anteriores, um retorno nada inclusivo aos padrões pré-covid, como se tivéssemos nos ajustado para sobreviver e agora pudéssemos voltar ao confortável e previsível modelo anterior. O problema? Um movimento pendular entre extremos, pouco consciente e quase nada coerente.

A resposta que pode balancear estes extremos está em um processo mais artístico do que científico. E esta é uma forma de pensar, sentir e agir no mundo que está em cada um de nós, mas que temos sido paulatinamente preparados para suprimir em detrimento do pensamento racional e lógico. Arte, por definição, é a capacidade de expressar a subjetividade inerente à condição humana, e temos perdido esta capacidade.

A maioria dos programas de transformação são tratados como projetos que se concentram excessivamente no componente “ciência” – as ferramentas, metodologias, tecnologias e processos – e ignoram o aspecto “arte” – as relações, a identidade da organização, a cultura e os valores, a biografia da empresa etc. Esses últimos elementos costumam ser os mais críticos para o sucesso da transformação – e especialmente importantes para alcançar resultados de negócios sustentáveis.

O processo de transformação organizacional não é apenas um conjunto de etapas predeterminadas ou a tomada de decisões a partir de dados. Ele demanda entender a dinâmica da organização, sua história, cultura e os fatores humanos envolvidos. A transformação bem-sucedida requer uma abordagem multidisciplinar que inclua análises quantitativas e qualitativas e o desenvolvimento de estratégias que levem em consideração as características únicas da empresa.

É urgente trazermos de volta ao mundo das organizações formas de operar que contemplem arte e ciência, processos orgânicos e metodológicos, humanidade e tecnologia. Não um em oposição ao outro e sim um coexistindo com o outro, numa relação em que um retroalimente o outro. Equilibrar arte e ciência é fundamental em um processo de transformação organizacional. A arte representa a criatividade, a intuição e a visão, enquanto a ciência representa a metodologia, a estrutura e a lógica. Ambos são importantes e devem ser integrados para maximizar os resultados da transformação organizacional.

E aqui gostaria de seguir dando enfoque ao que acredito ser primordial para que isso aconteça nas organizações: o papel da liderança.

A Liderança Transformacional

Transformar uma organização ou a vida das pessoas dentro de uma sociedade é uma missão baseada em liderança e que requer uma mentalidade aberta e capaz de lidar com aspectos sutis, que podem ser mais sentidos ou intuídos do que vistos ou comprovados. Aqui entra a componente da arte na liderança em adição à ciência.

Como um escultor ou pintor, que modela sua obra a partir do que emerge, a liderança precisa ser capaz de se conectar com o contexto para capturar o que é sutil. Um artista parte de uma ideia ou conceito pré-elaborado, que vai se materializando à medida em que ele se conecta com a obra e os recursos que têm em mãos, modelando-os de forma coerente e harmônica. Uma vez dada a forma através de um processo intuitivo, o artista coloca então sua técnica à serviço daquela obra, formando algo novo, na combinação entre arte e ou ciência.

Para equilibrar arte e ciência, as lideranças precisam estar abertas a novas ideias e perspectivas, além de serem capazes de navegar entre o pensamento criativo e a tomada de decisões baseada em dados. Também é importante ter uma abordagem estruturada e metodológica para implementar mudanças, ao mesmo tempo em que permite espaço para a inovação e a experimentação. Assim se estabelece um equilíbrio dinâmico entre arte e ciência.

É preciso cocriar a transformação!

Adquirir conhecimento técnico sobre transformação é algo muito fácil, basta uma rápida pesquisa para ter acesso a inúmeras referências. Mas se arte e ciência precisam caminhar juntas, adquirir apenas o conhecimento não é suficiente.

Muitas vezes vejo líderes sendo incapazes de imaginar o futuro, mesmo quando as mudanças em sua área de atuação ou negócio acontecem de forma acelerada e imperativa. Eles compartilham uma falha comum: sua vasta expertise e experiência os impedem de praticar novos modelos mentais fora de sua zona de conforto. Como resultado, eles perdem oportunidades de criação de valor.

Um exemplo é o que vejo em organizações que fizeram grandes esforços para promover o conhecimento sobre metodologia ágil e limitaram-se a isso resultando em conteúdos amplamente disseminados, mas com pouca efetividade. A razão para isso é que cada organização tem uma cultura distinta e dinâmica e a implantação de qualquer método para apoiar transformação precisa levar em conta estes aspectos sutis, nem sempre tangíveis ou facilmente mensuráveis. É preciso desenvolver um senso de propósito mais profundo que oriente as decisões estratégicas e molde a cultura do local de trabalho, para criar formas de conhecimento que emergem a partir da inteligência coletiva presente no sistema organizacional.

Aqui o conhecimento prévio da liderança funciona como o aprimoramento técnico que um artista busca: a precisão do traço, a perspectiva de uma imagem, o uso harmônico das cores… E tal qual o artista, ao colocar esta técnica à serviço do sistema organizacional que está inserido, o líder interage com as forças e elementos do próprio ambiente, cocriando algo novo e que não estava pré-definido.

Liderar mudanças transformacionais envolve ajudar a organização a transcender seu posicionamento, desempenho e capacidades atuais. Isso requer pensamento livre, capacidade de lidar com problemas complexos e coragem para fazer escolhas difíceis.

Neste sentido, além de práticas meditativas, o trabalho com arte nos ajuda a desenvolver estas habilidades intuitivas. Desenhar, conectar imagens, cores e formas, movimentos corporais, sons e ritmos…quanto mais temos contato com arte em diversas formas, mais desenvolvemos esta musculatura que o mundo atual tem atrofiado. É por isso que os processos de desenvolvimento conduzidos por nós aqui na ADIGO Consultoria sempre contemplam exercícios desta natureza.

Presença plena: um desafio contemporâneo

Não há caminho para encontrar esse equilíbrio entre uma perspectiva mais ampla e os detalhes, entre a arte e a ciência, entre o intuitivo e o concreto, sem desenvolver um estado de presença. É o mais poderoso estado que podemos acessar, pois presença significa ter a mente e o corpo no mesmo lugar.

Em um mundo de alta conectividade e hiper estimulação, acabamos poluindo nossa mente e nossos sentidos, nos afastando do momento presente. Tente lembrar de um momento no qual você estava totalmente imerso em algo, vivendo o aqui agora. Provavelmente neste momento você estava dedicando-se a uma atividade que exigia não só o seu pensar, mas também seu sentir e seus movimentos. Como ao praticar um esporte, pintar, ouvir uma música, dançar. Vivenciar mais destes momentos também desenvolve em nós as habilidades que nos ajudam a atuar em processos de transformação combinando arte e ciência.

No livro “O poder do agora”, o autor Eckhart Tolle descreve alguns passos para acessarmos o estado de presença:

1. Fique atento a sua postura corporal. O corpo sempre está presente, mas a nossa mente pode ir para qualquer dimensão do tempo. Então, quando prestamos atenção em nossa dimensão física nos centramos no aqui e agora. E ao fazer ajustes na dimensão física, podemos ajustar também a forma como pensamos e sentimos uma situação. Por exemplo, experimente adotar conscientemente uma postura mais relaxada em uma situação tensa e veja como isso repercute no seu estado de ânimo.

2. Conecte-se com o ambiente. Procure ver, ouvir e sentir o que está acontecendo agora, sem julgamentos. Por exemplo: olhe ao seu redor, perceba os detalhes das imagens e escute os sons do ambiente, as palavras como são ditas, os gestos e expressões das pessoas.

3. Diminua o volume da sua “conversa interna”. Isso não significa parar de pensar, e sim trazer consciência sobre os “gatilhos” que sua conversa interna disparam. Isso tem a ver com o nosso sistema de crenças, julgamentos e histórias vividas, que podem nos levar a acelerar nossos pensamentos para longe do que realmente está acontecendo.

Mais do que estar imerso, o estado de presença exige também adotar uma perspectiva em terceira pessoa de sua própria experiência: absorver todas as informações que você obtém estando imerso enquanto se mantém desapegado como se fosse um observador externo. Também requer força de caráter, integridade e convicção. Você precisa gerenciar sua atenção para alcançar objetivos mais significativos e transformacionais. É o que diz Art Kleiner, um dos autores do livro “The inner voice of strategic leadership” (“A voz interior da liderança estratégica”, livro infelizmente ainda sem tradução). Na prática, segundo Kleiner, isso exige que a liderança:

  • Considere as perspectivas das diversas pessoas envolvidas, pense nas necessidades, sentimentos e reações possíveis.
  • Aprenda a reconhecer e gerenciar seus impulsos e emoções
  • Cuide da sua saúde pessoal, relacionamentos e bem-estar para que você esteja em uma boa posição para refletir e pensar em vez de se sentir sobrecarregado ou distraído.
  • Pergunte a si mesmo o que sua mente está dizendo para você fazer e preste atenção no que você está prestando atenção.

Essas práticas ajudarão você a responder perguntas críticas para se conectar com o que é essencial e com o que trará coerência em um processo de transformação:

  • Qual o propósito e a missão desta organização?
  • Que impacto poderíamos ter se atingíssemos nosso pleno potencial?
  • O que precisamos abandonar para progredir?
  • No momento, o que essa oportunidade exige de nós?
  • O que precisamos superar?
  • O que me atrai neste processo?
  • Quais serão as consequências se seguirmos esse caminho e se não seguirmos?

Somente quando é capaz de olhar para si a partir destas perguntas, é que a liderança poderá agir como um agente de transformação provocando a busca por estas respostas nos diferentes públicos com os quais interage, mobilizando assim a organização em direção as transformações necessárias.

Comunicar é uma arte: como gerar alinhamento e coerência no processo de transformação

Entender o “porquê” por trás da transformação e comunicar isso aos envolvidos é um papel crucial que os líderes precisam desempenhar. Para que isso ocorra, é preciso não só entender o “porquê” do ponto de vista organizacional, mas também como a mudança pode impactar e/ou beneficiar cada pessoa envolvida. Ou seja, é um exercício de empatia.

Líderes que explicam o propósito da mudança e o conectam aos valores da organização tendem a criar uma adesão mais forte e urgência para a mudança. O cuidado aqui é transformar esta comunicação em um diálogo em que uma via de mão dupla se estabelece.

O diálogo como princípio na gestão de um processo de mudança permite tratar a comunicação de forma adequada a seu grau de complexidade. Você já ouviu falar da Lei de Brooks? Ela foi descrita por Fred Brook, um famoso arquiteto computacional nos anos de 1970, e que se mantém atual. Ele dizia que a sobrecarga de comunicação aumenta à medida que o número de pessoas aumenta. Devido à explosão combinatória, o número de diferentes canais de comunicação aumenta rapidamente com o número de pessoas. A imagem a seguir nos ajuda compreender esta complexidade:

Lei de Brooks
Lei de Brooks

A imagem da Lei de Brooks é prova de que não há como implementar processos e técnicas pré-formatados quando uma teia não previsível se estabelece nas relações. A chave para a transformação está nas conversas que a liderança estabelece e na forma como maneja o que emerge a partir delas, em uma combinação de arte e ciência.

Como revelar o potencial das equipes e a inteligência coletiva?

Uma transformação bem-sucedida requer o aproveitamento da inteligência, energia e experiência coletivas da equipe. Por isso gerar alinhamento facilitando processos de decisão em grupo é uma habilidade essencial, a ser desenvolvida pela liderança que se propõe a mobilizar pessoas em um processo de transformação.

Conduzir uma discussão, lidando adequadamente com os diversos elementos que surgem, é verdadeiramente uma arte! Como tal, é necessário aprender a não nos deixarmos envolver pelo conteúdo da questão em si, a ponto de ficarmos desatentos ao que ocorre com o processo de discussão. Lembre-se de que a atividade de “pilotar” não é de responsabilidade exclusiva de quem lidera a equipe ou o processo, todos os participantes do grupo podem facilitar o processo.

Fazer boas perguntas, mais do que dar respostas, é um bom indicador de uma liderança transformacional, e ajuda a tangibilizar aquilo que está ainda na subjetividade, ativando a intuição. Saia à campo, acesse às bordas da organização, escute e receba sinais de fontes diferentes. A combinação deste processo intuitivo com técnicas e ferramentas que ajudem a organizar e analisar o que está sendo coletado é poderosa. Mas fazer apenas um deles pode ser desastroso.

Líderes transformacionais incentivam sua equipe a pensar, aprender e agir de forma diferente, encontrando novas maneiras de criar valor. Isso só acontece quando a liderança abandona o comando e controle, e realmente acredita que a equipe é capaz de produzir sinergicamente soluções que são melhores do que aquelas criadas individualmente. Algumas ações tomadas pela liderança podem ajudar nesta construção:

  • Descrever um propósito claro para que a equipe saiba o que precisa buscar
  • Estabelecer expectativas de desempenho, comportamentos e autocuidado.
  • Construir acordos coletivos (em conjunto com a equipe) que deverão pautar as relações
  • Tornar os dados de desempenho transparentes para todos
  • Garantir acesso às ferramentas e recursos de que precisam para fazer seu trabalho
  • Investir no desenvolvimento e qualificação da equipe.

Os pontos acima podem ser um bom começo, porém o mais importante é questionar-se: o que me impede de confiar?

Conclusão: arte e ciência caminham juntas

As organizações e as lideranças precisam aplicar tanto a arte quanto a ciência a fim de conduzirem um processo holístico de transformação. O que precisa ser feito na prática varia entre as diferentes empresas, dependendo de seu estado atual de prontidão e da natureza de sua cultura e sistemas organizacionais. Usando uma abordagem baseada na combinação entre arte e ciência é possível identificar maneiras pelas quais esses aspectos são suscetíveis de promover ou dificultar a inovação e identificar as mudanças necessárias para estabelecer um ambiente organizacional propício à transformação.

É crucial reintroduzirmos formas de operar no mundo das organizações que abranjam tanto a arte quanto a ciência, metodologias orgânicas e mecânicas, o lado humano e o tecnológico. Enquanto a arte representa criatividade, intuição, e visão, a ciência representa metodologia, estrutura e lógica. Ambas são importantes e devem ser integradas para obter-se os melhores resultados na transformação organizacional, num equilíbrio entre crescimento e desenvolvimento.

Bibliografia

  • Etukuru, Raghurami Reddy. The Art and Science of Transformational Leadership: Unleashing Creativity, Innovation, and Leadership to Embrace Transformative Change. Editora iUniverse, 2018.
  • Lancefield, David. 4 Actions Transformational Leaders Take. Artigo da Harvard Business Review, 2021.
  • Kleiner, Art. The Wise Advocate: The Inner Voice of Strategic Leadership. Editora Columbia, 2019.
  • Brooks, Fred. The Mythical Man-Month. Editora Addison-Wesley Professional, 1975.
  • Tolle, Eckhart. O poder do Agora. Editora Sextante, 2004.
  • Cudy, Amy. Presença: Aprenda a Impor-se aos Grandes Desafios. Editora Actual, 2016.

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