Quando o cliente deixou de ser nossa razão de existir?

Uma empresa sem clientes ou ainda não nasceu – é um projeto – ou já deixou de existir. Qualquer empresa em operação permanece ativa por conta de seus clientes. São afirmações óbvias. Então porque observamos recorrentemente empresas fazendo movimentos transformacionais em busca da “centralidade no cliente”?

Em que momento aquilo que é a força motriz da empresa foi relegado a um segundo plano, de maneira tão evidente e concreta a ponto de requerer um grande movimento de ajuste da cultura e processos?

Utilizar a lente da biografia da empresa pode ser esclarecedor. As organizações passam por diferentes fases em seu processo de desenvolvimento. Quando a empresa está em seu estágio inicial – podemos denominar fase pioneira, pois na maior parte dos casos há um fundador-pioneiro presente – o espírito é de sobreviver, fazer acontecer. Cada pedido a ser fechado com um novo cliente é quase um ato sagrado, pois o caixa é crítico, e todo fluxo novo faz a diferença. Nesta fase a satisfação do cliente com o serviço / produto é buscada como comprovação de que as competências de criação e execução estão funcionando, de que anteriores protótipos podem ser amadurecidos na realidade do mercado, enfim, de que o caminho faz sentido. O cliente é indissociável da própria dinâmica do negócio.

Com o sucesso inicial vem o crescimento: mais clientes, diferentes segmentos, maior amplitude de oferta de produtos e serviços, novas regiões, novas linhas de produção, diferentes fornecedores, etc. Aparecem erros e falhas na qualidade, entregas, administração financeira, além do esgotamento da equipe. Podem ser sinais claros de que é preciso alcançar um novo e mais eficiente patamar de estrutura e organização. Junto com o crescimento aumenta muito a complexidade de gestão, o que demandará novas capacidades de administração de pessoas, liderança, e governança. Investe-se muito tempo, recursos e foco organizacional na implementação de processos eficazes que possam dar conta da crescente complexidade do negócio.

Neste movimento boa parte da energia de gestão é, naturalmente, colocada internamente. É como se a atenção da empresa tivesse que se voltar um pouco mais para si mesma, buscando entender o novo patamar, desenhando a evolução do corpo (estrutura, funções) e fluxos (processos, políticas) que parecem ser necessários. É neste ciclo que o cliente vai, aos poucos e não intencionalmente, sendo deixado em um plano ligeiramente menos relevante. Cliente perde a identidade, passa a ser tratado nas salas de reuniões como uma “alavanca” de geração de resultados, como um sub-segmento sem face, uma carteira de dinheiro a ser perseguida (a expressão “share of wallet” ganha muita força nesta fase).

Ao longo do tempo o atendimento se torna rígido, as metas se centram em margens financeiras, a experiência real do cliente perde valor. O desafio de voltar a colocar o cliente no centro emerge. A resposta usual – paradoxalmente – vem por meio de processos e protocolos, pois são as ferramentas habituais que a empresa construiu para se organizar e estruturar. Porém esta nova fase vai requerer distintas competências, e coragem.

Fundamentalmente, será necessário construir significado genuíno nas experiências do cliente, a partir da ressignificação da cultura organizacional. Será preciso refletir sobre o mundo em que se opera, e definir o impacto que se aspira causar. Será necessário elaborar os os princípios de gestão que vão reger a forma como as interações ocorrerão. Será fundamental aprender a se relacionar com clientes como co-criadores de valor no sistema do qual a empresa faz parte. Será importante compreender como o vínculo das relações se fortalece para além da dimensão transacional de produtos e serviços.

Assim, o cliente chega de volta ao centro da empresa, mas em uma dimensão superior, em que não há confusão com a empresa (como na fase pioneira), e também não há distanciamento (como na fase de organização e crescimento). Nesta possível nova fase cliente e empresa se integram em suas necessidades de geração de valor de modo maduro, criando vínculos duradouros por afinidade.

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