O engano da resiliência

Nestes tempos em que temos a angustiante sensação de que vamos perder o bonde da história por conta de tantas e intensas mudanças, é natural que busquemos por algo que pareça permanente, algo constante que possa trazer conforto. A ideia de que temos que permanecer firmes para aguentar os solavancos das mudanças parece fazer sentido, e é por este motivo que o termo resiliência tem ganhado cada vez mais força na gestão de empresas e desenvolvimento de lideranças. É vendido como um remédio para dar conta destas transições.

Talvez o termo resiliência esteja sendo utilizado de maneira inapropriada. Resiliência significa sofrer a ação de uma força e voltar ao estado anterior, ou seja, não implica adaptação ou mudança, mas sim a conservação do estado original. Neste sentido, o estímulo à resiliência certamente funcionará como um antídoto para a capacidade de evolução.

No âmbito individual estimula-se demasiadamente a imagem de um líder resiliente, que suporta as dores e os atritos do dia dia, passando por traumas porém aguentando firme, lidando com as consequências de maneira quase estóica. Este é o líder de sucesso. Notem como é uma imagem semelhante à de um herói. É uma sutil crueldade com as pessoas, que acabam por ter que se responsabilizar, de maneira individual, pelas diferentes camadas de realidade que escapam ao seu controle: um contexto organizacional desbalanceado, um ambiente de trabalho por vezes tóxico, supostas réguas meritocráticas de desempenho, inovações tecnológicas, mudanças sociais e políticas. Daí surgem fontes importantes de desarranjo da saúde mental.

Na dimensão das empresas e organizações, a resiliência se aproxima da teimosia e da rigidez estratégica. É o hábito de se apegar a um plano ou conjunto de iniciativas anteriormente definidas, e, pior, com pouca flexibilidade embutida. São enormes o tempo e energia despendidos em justificativas sobre o desempenho passado, e em busca de ajustes marginais para atingir uma meta fixada meses antes, como se a realidade tivesse se mantido estática. E, pior, sem o espírito de aprendizagem, sobreposto pelo usual ambiente de insegurança. O esforço – de novo quase heróico – por cumprir o passado, trilhando um plano fixo que estirpa a incerteza, torna opacas as oportunidades de desenvolvimento e adaptação estratégicas da empresa.

O hiper-racionalismo da administração de negócios e pessoas nos levou a solidificar a crença de que, seja como empresa, ou como líder, é possível comandar e controlar os passos da jornada futura. Esta crença, para permanecer viva, requer a exclusão da incerteza como característica da realidade. Porém, como bem sabemos, não controlamos a realidade, e nem podemos alterar a acelerada frequência de mudanças de nossa época. Tapar este sol com a peneira da resiliência heróica é uma fuga. É preciso navegar na própria incerteza, buscando uma atitude de curiosidade e atenção perante o incerto, e mesmo o desconhecido. Naturalmente esta atitude é desafiadora, pois perturba nosso senso ancestral de perseguir o mínimo de segurança (permanência) em um ambiente hostil para sobreviver. Porém a alternativa disponível – descartar a necessidade de adaptação perante a incerteza – é certamente pior.

Para as empresas o maior desafio é desenvolver a competência da prontidão estratégica. Estar apto para ler e entender os sinais do contexto, ajustar rotas, planos e metas, e, ao longo do tempo, continuamente mudar para permanecer relevante em seu mercado. Para isso, entretanto, antes de redesenhar processos e métodos, será necessário reconhecer crenças profundas nascidas da era das empresas-máquina, que ganham substância em culturas pouco criativas, e ganham corpo em execuções estratégicas pouco ágeis, enrijecendo a organização e diminuindo sua probabilidade de perenização.

No âmbito da liderança é importante resgatar a curiosidade, o interesse pelo que está acontecendo, a presença genuína, a empatia nas interações. A jornada de liderar um time é sempre coletiva, e o processo de execução de diferentes projetos e atividades é sempre complexo, pois envolve diferentes agentes, interesses, perspectivas e ânimos. A aptidão para interagir, aprender, e ajustar, vai implicar, ao longo do tempo, em mudanças e adaptações, tanto na dimensão coletiva quanto na individual. A competência desenvolvida terá sido lidar com diferentes forças e não voltar ao estado original, mas sim evoluir, um passo de cada vez.

Marcos Thiele

Abril, 2024.

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