O que significa humanizar a liderança?

Uma expressão que ouço com recorrência, não é de agora, e que muitas vezes me intriga é “humanizar”…

“Precisamos humanizar a liderança (ou a empresa)…”

“Vamos prestar um serviço humanizado…”

“Temos uma abordagem humanizada”

E por aí vai… O que me intriga é que normalmente estamos nos referindo a serviços ou atividades realizadas por humanos e para humanos (!?). Me pergunto quando é que deixamos a nossa humanidade de lado, ou quando é que fomos abduzidos por ETs…

Humanizar virou mais uma expressão banal, daquelas que a gente repete sem parar para pensar no que realmente significa.

Sim, há todo um contexto social em que vivemos, de aceleração de consumo, excesso de informação e desenvolvimento vertiginoso de tecnologias, a ponto de termos a impressão de que o futuro será frio e tecnológico. Longe de mim discorrer aqui sobre tecnologia, futurismo, e outros “ismos” inerentes. Meu objetivo aqui é registrar uma reflexão individual e que me mobiliza a algum tempo: eu acredito em um futuro tecnológico e essencialmente humano.

A tecnologia, desenvolvida por mãos, corações e mentes pulsantes, cada vez mais nos confronta com aquilo que nos torna essencialmente humanos: a consciência de quem somos, a necessidade de nos relacionarmos e darmos significado ao que fazemos. A tecnologia dá conta sozinha de desafios binários, os quais podem ser parametrizados e traduzidos em regras (ou códigos de programação). O ser humano é muito mais sutil e complexo do que a tecnologia é capaz de compreender, portanto ainda há (e sempre teremos) dilemas  e necessidades  que só o humano é capaz de compreender. Um exemplo do que acabo de dizer: como viver uma vida mais longa e saudável possível, e que ao mesmo tempo seja significativa, gratificante e economicamente viável para todos? Um dilema que a tecnologia sozinha nunca será capaz de endereçar.

Há algumas semanas o assunto Metaverso tem gerado debates e publicações controversas. Deixaremos de ser humanos para viver em uma realidade alternativa? Perderemos nossa capacidade de conexão e interação? Como fazer para humanizar nossas relações? Como se conviver com a tecnologia nos fizesse perder humanidade.

Em meio a estas discussões tenho pensado como hoje já vivemos no tal metaverso, apenas não o havíamos batizado. Já parou para calcular quantas horas por dia você passa em frente a uma tela, interage online ou utiliza automatizações para resolver as questões práticas do seu dia a dia? O perigoso a meu ver nesta história não é a tecnologia ou o ambiente em si mas, dentre outras coisas, o fato de um único conglomerado empresarial global concentrar em suas redes sociais a maior parte das interações humanas do mundo. Ou a busca de um ambiente perfeito onde viveremos uma vida sem desconforto. Ou ainda a manipulação de informação para criação de fake news.  Aliás nada mais humano do que sede de poder, alienação e fuga da realidade não é mesmo?

Outra coisa essencialmente humana é a consciência do que somos e fazemos, e a possibilidade de escolhermos o que queremos e como vamos lidar com tudo isso. A chegada deste universo é inevitável, a parte humana nesta história é o que queremos fazer com isso. O que escolhemos?

Num país como o nosso, de desigualdade social extrema e muitas pessoas à margem destas mudanças, as escolhas que nós que estamos inseridos nela fazemos tornam-se ainda mais importantes. São nossas escolhas de consumo, políticas, profissionais, pessoais, familiares, cotidianas, etc, que vão moldando o futuro e o desenvolvimento tecnológico. O mosaico que se forma é tão complexo quanto o que significa ser HUMANO.

Outra característica muito humana é a crença de que há um herói ou heroína correndo à solta pelo mundo e que um dia virá nos salvar (ou punir o que nos desagrada). É confortável habitar neste pensamento, e é acolhedor sentir esta segurança que beira o afeto e a proteção (ainda que ilusória). Será que não estamos trocando este mito heroico por um mito tecnológico que virá nos salvar ou nos desgraçar?

Nos últimos 2 anos a pandemia forçou-nos a relações muito baseadas em meios tecnológicos, e em muitas organizações nas quais trabalhei como consultora vi este mito heroico presente neste período. Primeiro veio a crença de que as plataformas de vídeo-chamadas iriam nos salvar, até que meses depois a vida virou uma eterna vídeo-chamada e então passamos a falar de “fadiga do zoom”… Nem vilã nem salvadora, a tecnologia foi apenas um instrumento guiado pelo nosso comportamento. Novamente nossa humanidade no centro, e nem nos demos conta… e somente ao exercê-la é que conseguiremos sair desta cilada.

E onde Liderança entra nisso tudo?

Eu tenho uma crença, que pauta meu trabalho, de que liderança transforma o mundo (para o bem e para o mal). Por isso escolhi falar, facilitar, desenvolver e estimular habilidades e comportamentos de liderança.

É claro que podemos tomar uma trilha nesta conversa que nos leva a refletir sobre os líderes mundiais, de nosso país, cidade, bairro… Reflexão saudável e necessária a todos nós, sobre a qual não discorrerei aqui por absoluta incompetência (me chame para um café e podemos abrir este papo 😉).

A trilha que escolho seguir aqui é a do universo corporativo, desse mundo sobre o qual esta rede foi fundada e no qual desenvolvi experiência e conhecimento suficientes para emitir algum comentário.

Aquela crença de que uma pessoa chegará para salvar a história toda é tão arraigada ao exercício da liderança! Esta é a armadilha mais comum que quem exerce papel de líder costuma cair. E é aí que eu vejo que perdemos a humanidade, querendo ser e ter atributos sobre-humanos. Por ganância, por culpa, por medo, por “n” sentimentos, não há nada mais humano do que querer ser super-humano!

E nessa viagem muito louca a gente deixa de lado o que mencionei antes: a consciência do que somos e fazemos, e a possibilidade de escolhermos o que queremos e como vamos lidar com tudo isso.

Quem escolhe ser líder, escolhe ter a possibilidade de ter e gerar consciência, autonomia, significado. De dar propósito, de revelar potência e talento, de abrir espaço para diferentes perspectivas. De gerar conexões, relações, emoções que nutrem e permitem o desenvolvimento.

E ao exercer ou não estas escolhas é que continuaremos a construir uma jornada evolutiva essencialmente HUMANA.

Fontes de inspiração para este texto:

  1. MIT Technology Review “The future of work is uniquely human”
  2. The 100-year life, by Andrew Scott & Lynda Gratton. London Business School. 2016

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