O Líder e a Insensatez

Por Jaime Moggi
Lembro-me de como fiquei impressionado quando li A Marcha da Insensatez1, livro de Barbara Tuchman, uma das grandes historiadoras do século passado.
O livro analisa quatro processos históricos que terminaram em verdadeiras tragédias políticas e econômicas. Cada passagem destaca-se pela insensatez com que foram conduzidas. Líderes que continuamente e obstinadamente implementaram ações e políticas contrárias às causas que defendiam.
Mais mitologia do que história, o livro levanta a questão de como os troianos foram tão tolos a ponto de colocar para dentro da cidade um cavalo de madeira cheio de soldados gregos. Como explicar que após dez anos de resistência heroica, eles pudessem cair num truque tão simples?
Por essa tolice, os troianos pagaram com a própria vida, tiveram sua cidade toda destruída. A única pessoa que os alertou sobre esta armadilha foi Cassandra, a profetiza. Mas seus alertas de nada adiantaram, pois, apesar do dom da profecia (concedido pelos deuses), fora amaldiçoada para que ninguém acreditasse nela. (Cuidado com os gregos e seus presentes!).
O cansaço e a necessidade de boas notícias que todos nós temos, principalmente quando mergulhados numa jornada aparentemente interminável de dor e superação, podem explicar em parte a decisão.
Outro cenário foi a questão ridícula de impostos sobre o chá², aliada à arrogância e vaidade do Rei George III, que fez com que a Inglaterra perdesse a América.
Uma representação dos colonos no parlamento inglês poderia ter evitado a Guerra da Independência Americana. Desta forma as duas grandes nações anglo-saxônicas poderiam ser mantidas sob a mesma Coroa.
Se esta concentração de poder tivesse ocorrido, talvez fosse possível evitar as tragédias das duas guerras mundiais no século XX.
E a reforma da Igreja no século XVI? Aqui, seis papas (entre eles, um Bórgia e dois Médici) conduziram a Igreja à beira de um precipício, dando todas as condições para que Lutero desse o último empurrão, levando-a a perder o domínio da metade da Europa para o protestantismo.
E por último, a Guerra do Vietnam, uma estupidez que levou a maior potência do mundo a meter-se num atoleiro tamanho, provocando a perda da reputação americana e da vida de centenas de milhares de jovens. Isto tudo aconteceu mesmo com todos os relatórios e opiniões de especialistas recomendando que os Estados Unidos não entrassem na guerra, e, depois, que saíssem o mais rápido possível.
Também tenho meus exemplos históricos preferidos.
Um deles se dá durante a Primeira Guerra Mundial, num atentado na pequena Sérvia (assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando), que colocou uma gigantesca engrenagem a andar, levando todas as grandes potências a uma guerra fratricida como nunca visto antes na história do mundo.
Na antevéspera da Alemanha declarar guerra à França, a Inglaterra fez uma proposta concreta de que se manteria neutra, caso o ataque não acorresse. Quando o kaiser levou tal proposta a seus generais, ouviu deles que não seria mais possível impedir o avanço do exército alemão, pois, uma vez mobilizado, não havia como pará-lo.
Um sistema sem face em andamento, no qual o próprio kaiser não tinha mais poder de influência sobre seus generais. Assim, só restava continuar andando em direção ao abismo. A falta de coragem e rigidez pode explicar o que aconteceu.
A lista é enorme…
O general romano Marco Licínio Crasso, contra todas as recomendações e lógica, avança pelo deserto com suas legiões em direção à capital Parta (Pérsia), sem água e sem uma cavalaria digna de nota. Resultado: as legiões cansadas e sedentas foram cercadas pela cavalaria persa e dizimadas brutalmente com uma “chuva” de flechas. Daí, o fato de usarmos, até hoje, a expressão “erro crasso”.
Em uma viagem a Estocolmo, visitei o Vasa Museum (uma visita imperdível, cujo site oficial é http://www.vasamuseet.se/). Lá é possível tomar conhecimento de um exemplo didático. Conforme a história, no dia 10 de Agosto de 1628, o Vasa, então maior navio de guerra do mundo, construído por ordem do rei Gustavo Adolfo, foi lançado ao mar na baia de Estocolmo. A cidade toda estava no porto para assistir a demonstração de glória e poder da monarquia sueca. O poderoso Vasa, com seus três mastros principais elevando-se a mais de 50 metros de altura, seus 64 canhões e uma tripulação de cerca de 400 homens, deslizou para a água. Dois minutos após sua viagem inaugural, afundou. Uma vergonha para o país, tendo toda a cidade como plateia. Na década de 1950, uma operação épica do governo sueco conseguiu retirá-lo da baia, o que propiciou, mais tarde, a construção de um museu só para o navio.
Depois da tragédia, é claro, começou uma “caça às bruxas” para descobrir quem era o culpado. Prenderam o capitão do navio por dois meses. A teoria era a de que ele não havia amarrado os canhões, que, por conseguinte, se soltaram e afundaram o navio. Descobriu-se depois que o motivo não foi este.
Foram então procurar os mestres construtores que garantiram ter seguido todas as orientações do projeto. Chegaram ao projetista, mas ele havia morrido meses antes.
Alguns lembraram que o rei Gustavo, ao ver o projeto, “sugeriu” que fosse acrescentada uma vintena de canhões aos 44 originais. Tal “sugestão” era inviável dentro do projeto original, mas ninguém teve a coragem de falar isso para o rei. Simplesmente calaram-se. Deu no que deu!
Ao olharmos para as organizações não é difícil ver exemplos grandes e pequenos de insensatez em marcha.
Gigantes que perdem o mercado, por não serem capazes de ver que seu consumidor tem novas necessidades.
Projetos baseados em área movediça… Minhas ações (poucas, graças a Deus) da OGX, petroleira que era controladapor Eike Batista, nosso ex-homem mais rico do Brasil, não me deixam mentir.
Líderes perdendo talentos por não serem capazes de estabelecer uma conexão humana e pessoal com eles.
Organizações trazendo para dentro, verdadeiros “Cavalos de Troia”. Profissionais que não têm valores nem compromisso para com as organizações, somente consigo mesmo. Passam um ou dois anos na empresa e deixam a terra arrasada.
Organizações fazendo aquisições com um olhar apenas financeiro, sem preocuparem-se com a cultura e a preservação do valor que adquiriram.
Há uma frase que diz: “Consultores fazem o que sabem, não o que o cliente precisa”. Isso se aplica também a executivos.
Quantas vezes observei executivos recém-chegados na organização, destruindo tudo o que foi feito e implantado ali, colocando o modelo que aprendeu na última empresa, sem nenhuma preocupação em ouvir as pessoas que estavam ali, antes, e, com isso, provocando verdadeiros naufrágios organizacionais.
Ou, ao contrário, executivos há muito tempo na função, vendo seu negócio caminhar em direção ao precipício e não ter a coragem de mudar o rumo.
Os pecados que encontramos são basicamente os mesmos: orgulho, arrogância ou a falta de coragem.
Talvez você possa fazer algumas perguntas que te ajudem a identificar se está no caminho da insensatez:

  • Quando foi a última vez que pediu feedback de alguém?
  • Você acha que está cercado de pessoas, talentosas e inteligentes ou de gente medíocre?
  • Qual foi a última vez que fez algo totalmente novo no seu trabalho?
  • Você tem a sua “Cassandra” ou só gente que sempre fala que você está certo?
  • Qual foi a última vez que compartilhou suas dificuldades com sua equipe ou com alguém?

Lembro-meda piada do capitão de um galeão espanhol, em seu tombadilho, observando o horizonte. Ao longe, ele vê um navio pirata. Ele chama o imediato:
“Imediato, traga-me minha túnica roja”.
“Claro meu capitão. Mas por quê?”
“Caso eu me fira no combate que se aproxima não quero que meus homens vejam meu sangue”.
Aconteceu o combate com uma vitória retumbante do capitão. No dia seguinte o capitão está observando o horizonte com sua luneta e vê uma dúzia de navios piratas vindo em sua direção.
O capitão chama o imediato! E o imediato diz:
“Quer a túnica roja capitão?”
“Não, hoje traga-me a minha calça marrom”, responde.
A figura do líder perfeito e infalível, que toma as decisões sozinho, já não faz mais sentido.
Na peça Antígone, de Sófocles, o rei Creonte é alertado várias vezes pelo seu consultor, o “corifeu”, que deveria voltar atrás da decisão de aprisionar Antígone, ou a tragédia se abateria sobre sua casa. Mas ele segue seu caminho até a tragédia.
Os gregos acreditavam que cada homem tinha seu destino e não haveria como mudá-lo. E quanto mais se esforçasse para mudar sua direção, mais se aproximaria dele.
Felizmente apesar de toda a influência grega, nossa cultura é judaico-cristã. Acreditamos no livre arbítrio, na graça divina, sendo assim, para nós é possível mudar a direção da marcha da insensatez… Desde que aprendamos com nossos erros e escutemos os sinais que nos são mandados.
O que você aprendeu com seu último fracasso?
Que sinais você tem recebido de que as coisas não andam tão bem quanto imagina?
 
Notas

  1. Barbara W. Tuchman, A Marcha da Insensatez: DeTróia ao Vietnã. Editora José Olympio.
  2. A Lei do Chá, criada pelos britânicos em 1773, aumentou consideravelmente os impostos sobre o chá consumido nas colônias.

 

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