Amor, divertimento, felicidade, autenticidade, realização, desafios, alma. O que isso tem a ver com gestão?

Por Jair Moggi
As expressões que compõem o título deste artigo quase sempre são recebidas com ceticismo quando usadas no ambiente empresarial, muito embora elas tenham um substrato comum, que é o que todo ser humano saudável procura ao longo da sua vida pessoal e profissional, quer ele seja empresário, empregado, investidor, fornecedor, cliente etc. Essas expressões representam conceitos imanentes a todos o seres humanos e podem ser incorporadas a filosofias e modelos de gestão que pretendem se sintonizar com um capitalismo mais consciente, que ainda está por nascer.

Indícios disso podem ser vistos no livro “Os segredos das empresas mais queridas1”, que tem como autores um trio de professores acadêmicos. O livro mostra em detalhes os resultados de uma pesquisa feita nos EUA em empresas que possuem modelos de gestão nos quais as palavras amor, divertimento, felicidade, autenticidade e alma estão presentes. As empresas pesquisadas mostram uma lucratividade sustentada por longos períodos e são reconhecidamente admiradas por todos os seus “stakeholders” – clientes, funcionários, acionistas e comunidades em que se inserem.
Os referenciais para a busca de modelos de gestão que criam condições para o surgimento dessas características geradoras de admiração genuína – foram desenvolvidos pelo psiquiatra holandês Bernard Lievegoed, quando titular da cadeira de Psicologia Social na Faculdade de Administração de Empresas da Universidade de Roterdã. Em 1950, ele criou o movimento da Pedagogia Social, hoje denominado Ecologia Social, que está ancorado na Antroposofia2 de Rudolf Steiner. O pensamento antroposófico coloca o homem no centro do processo de desenvolvimento econômico e social nos níveis dos grupos, das comunidades onde está inserido e do próprio planeta. Olha o ser humano nas suas dimensões física e espiritual e no seu relacionamento com os reinos que o circundam – mineral, vegetal, animal e humano.
Como indício da busca por modelos que privilegiem o ser humano nas dimensões citadas, vemos que a cada dia que passa as organizações se parecem mais e mais com seres humanos, em todos os seus aspectos. Cada vez mais se fala em empresas orgânicas ou em empresas vivas, que aprendem e reagem rapidamente aos impulsos do meio ambiente.
Comparar as organizações a seres vivos não é exatamente uma novidade, e a natureza tem muito a nos ensinar conforme as organizações vão ficando mais e mais complexas. Recente é a percepção que se tem dessa complexidade, que vai se acentuando conforme as mudanças se aceleram, a ciência e a tecnologia avançam, a autoconsciência e o nível de exigência das pessoas e da sociedade aumentam. Paralelamente, os modelos reducionistas do passado se tornam incompetentes para responder às questões existenciais dos indivíduos nos contextos pessoal, social e organizacional, e, além disso, não acompanham as exigências da hipercompetitividade dos mercados. As circunstâncias atuais mostram de forma irrefutável que tudo está ligado a tudo e não é mais possível puxar o fio de um novelo sem mexer com todo o novelo.
O ser humano tem um corpo físico (que pode ser relacionado ao reino mineral), um corpo vital que lhe dá vida (relacionado ao reino vegetal), além de um corpo emocional (associado também ao reino animal), que lhe permite viver emoções e sentimentos. Tem também uma individualidade que pode ser relacionada ao mundo espiritual, composta pelos seus valores e pensamentos. A empresa, por sua vez, reproduz na sua essência esse arquétipo, pois ela também é portadora de um corpo físico, composto por suas máquinas, instalações etc., um corpo vital constituído pelos processos produtivos e administrativos, e por um corpo emocional, feito de tudo aquilo que acontece entre as pessoas no seu dia a dia e por uma identidade que é formada pela cultura da empresa, seus valores, sua biografia etc.
Podemos dizer então que, se a divindade criou a natureza, incluindo o ser humano, este criou o supermercado, a fábrica, a universidade, o estado, o hospital, a web e todas as outras instituições do mundo econômico, social e cultural. Nesse sentido, as organizações, formadas basicamente por indivíduos, são também entidades vivas, com pensamentos, sentimentos e vontades e, assim como as pessoas, têm possibilidade de crescer, desenvolver-se, transformar-se e realizar seus potenciais.
Como as pessoas, as empresas também têm um ciclo de vida com fases definidas como concepção, nascimento, crescimento, desenvolvimento, crises e morte, sendo que a diferença básica é que o ser humano tem uma finitude física, enquanto a empresa, sendo fruto do mundo das ideias, pode não ter. Ela tem a possibilidade de transcender no tempo e sobreviver para além das pessoas que lhe deram origem ou que nela atuam, desde que os problemas de transição entre gerações ou de comando sejam tratados com sabedoria e eficiência. Quando pessoas se juntam pelos mais diferentes motivos, sempre há o fio condutor de um objetivo comum que os uniu. Esse objetivo pode ser, apenas por hipótese, a elaboração de um jornal, a fundação de uma associação ou de um clube, a realização de uma tarefa, a implantação de um projeto. Essas pessoas reunidas pelo acaso ou pelo destino podem ter como alvo conspirar ou criar um negócio. Pelo fato de se dedicarem a um objetivo imaterial — uma ideia, uma intenção, uma vontade – por meio de seus pensamentos, sentimentos, atenção, trabalho, ações e omissões acabam gerando uma cultura, um ambiente, ou um espírito coletivo único, que pode ou não ser palco para que a sua alma se realize por meio do amor, das realizações, da felicidade e da autenticidade.
Os relacionamentos humanos que nascem desses encontros, os múltiplos interesses dos clientes, fornecedores, acionistas e colegas de trabalho acabam gerando uma energia única e exclusiva que é a síntese daquelas pessoas — no que se refere às suas intenções, virtudes e deficiências — que se manifestam no mundo (mercado).
Vemos ainda, no contexto empresarial, que, mais e mais, a verdadeira essência de um negócio não está na tecnologia aplicada, nas máquinas, equipamentos, no capital acumulado, mas está naquilo que é imaterial. Essa essência está naqueles aspectos que não podem ser controlados ou apropriados pelos donos do capital ou pelas lideranças porque é propriedade inalienável das pessoas e grupos – ideias, valores, símbolos, conhecimento e informações. É aquilo que é incontrolável, intangível, que forma um corpo sutil que ninguém vê mas sabe que existe, que é a identidade da empresa ou a sua alma.
Certa vez, o dono de um negócio de grande porte e de reputação sólida me disse: “O espírito da minha empresa vai embora todos os dias no final do expediente. Se eu e as pessoas que trabalham aqui deixarmos de existir, isto aqui não será mais do uma casca oca ou um cadáver.”
Os fenômenos descritos acima podem ser chamados de fenômenos arquetípicos. Podem ou não ser percebidos pelas pessoas que interagem dentro de uma organização, seja ela de que natureza for. Quando como consultores ou líderes entramos em contato com os fenômenos empresariais de gestão, liderança, comunicação etc., podemos dizer que entramos em contato com aspectos suprafísicos ou arquétipos que se manifestam no mundo físico das mais diversas formas. Saber reconhecer a alma das pessoas e a alma das empresas e apoiá-las em seu propósito de tornar sua atuação operacional mais objetiva e saudável, é um desafio dos gestores que querem trazer para o ambiente empresarial os significados das palavras que estão no título deste artigo.
A analogia entre o ser humano e as organizações nos dá conta do complexo imbricamento que existe entre esses seres vivos. Amor, divertimento, felicidade, autenticidade, realização, desafios, alma são frutos do bem cuidar dessa complexidade que precisamos aprender a tratar, daqui para a frente, se pretendemos mesmo ser os parteiros de um nova sociedade ou de um capitalismo mais arejado e mais suportável para o ser humano.
Lideranças genuínas são aquelas que assumem o compromisso de olhar as pessoas, os grupos, as organizações e a própria sociedade a partir de uma abordagem ampliada pelos conceitos deste artigo, percebendo, entendendo ou aceitando que tudo no mundo físico está inserido numa imensa teia de origem misteriosa, sagrada, sutil e ecumênica. Tomar contato, pesquisar e operacionalizar com consciência e equilíbrio esses conceitos no dia a dia do mundo econômico, social e cultural é cuidar do crescimento e do desenvolvimento das pessoas individualmente, dos grupos e das próprias organizações, garantindo assim a sua sustentabilidade com amor, divertimento, autenticidade e felicidade.

1 “Os segredos das empresas mais queridas – Como as empresas de classe mundial lucram com paixão e bons propósitos”. Rajendra S.Sisodia, Jagdish N. Shet e David B.Wolf – Editora Bookman – 2008.

2 Antroposofia literalmente significa sabedoria sobre o ser humano. Esse conhecimento foi estruturado pelo filósofo, educador e cientista austríaco Rudolf Steiner (1860 – 1924).

 

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