O Líder e o Amor

Por Jaime Moggi
Certa vez, lendo a monumental obra do historiador americano Will Durant¹ me deparei com uma passagem a respeito da rainha Elizabeth I, a maior monarca de toda a história inglesa, em cujo reinado se construiu as bases para a grandeza britânica. A rainha faz o seu discurso do “trono”. Na abertura dos trabalhos dá a sua mensagem ao parlamento e, seguindo o ritual, como soberana reinante, apresenta o balanço anual.
A rainha, já entrada em anos, encerrou o seu discurso com as seguintes palavras: “Neste trono já se sentaram reis mais sábios e poderosos do que eu. Mas posso garantir-vos que nunca se sentou um monarca que mais vos tenha amado”.
Nos tempos cínicos em que vivemos hoje, me pergunto se o ato de liderar pode ser considerado um ato de amor.
Se olharmos apenas para os líderes que vemos hoje, a resposta mais provável é não. Mas se olharmos para os líderes que influenciaram nossas vidas, nossos pais, irmãos, professores, para alguns líderes que tivemos em nossa carreira, a resposta pode ser diferente.
Também podemos dizer que liderança é algo que se coloca à disposição de uma causa. Gandhi e Hitler tinham enorme capacidade de liderança, mas o julgamento de ambos é feito pelas causas em que estas capacidades eram colocadas e, é claro, por seus métodos.
Acredito que,para ser considerado um ato de amor, o ato de liderar deveria ser um ato de doação. É claro que liderar tem seus privilégios, e muitos, mas também inclui responsabilidades.
No mundo animal, por exemplo, o lobo líder da matilha ou o leão que lidera seu bando têm seus privilégios, mas também devem ser os primeiros a dar a vida pelo grupo.
Líder (leader) tem origem do inglês antigo “liden” causative of lithan, ou seja, o causador da viagem ou o que vai à frente de um grupo em viagem. Bem diferente de management, o que manuseia, o que controla.
O conceito está intimamente associado à atitude de tirar um grupo de um local e o levar para outro. Como no caso de Moisés, por exemplo.
Aliás, ao olharmos para Moisés, especialmente quando abandonou a posição de príncipe do Egito e resolveu conduzir os hebreus para fora da escravidão, temos uma clara visão de doação. Ele estava doando seu futuro como príncipe do Egito no altar do seu Deus e do seu povo. Não havia muitos privilégios visíveis nessa troca.
Pegando um exemplo na outra ponta, Hernan Cortezque liderou um grupo de mercenários na conquista do México num dos maiores banhos de sangue na história, já é mais difícil ver a doação. Ele era claramente motivado pela glória e pelo ouro. Mas também correu um risco enorme ao convencer seus homens a desobedecerem as ordens da Coroa e em adentrarem naquela aventura. Era também o primeiro a dar o exemplo nas batalhas, a conduzir as negociações, a escolher a estratégia. Olhando em retrospectiva parece claro que sem ele a conquista não teria acontecido. Pelo menos não naquele momento e nem com os recursos disponíveis.
Nos dois casos a recompensa não foi das melhores. Moisés foi proibido de ver a terra prometida. E Cortez morreu na miséria. Contam que anos mais tarde, ele se apresentou ao imperador Carlos V, que, desconhecendo o visitante, perguntou quem era aquele homem maltrapilho, ao que Cortez respondeu: “O homem que lhe deixou como herança mais províncias do que seus avós lhe deixaram cidades”².
A liderança nas origens mais antigas da nossa civilização estava também relacionada à religiosidade e espiritualidade.
Marc Bloch, no livro Os reis taumaturgos³, nos mostra como os reis franceses e ingleses por mais de meio milênio e em pleno século 18 ainda conservavam um quê de sagrado, quando era atribuído a eles o poder de curar afecções de pele pela imposição das mãos. Todo ano, em dia predeterminado, uma multidão de doentes se apresentava nos Palácios de Versalhes e Westminster para ser curada por seu monarca.
Ainda conservamos um pouco disso quando atribuímos aos nossos líderes a capacidade de resolver problemas seculares como por milagre, bastando apenas a tal vontade política.
Recentemente a “canonização” de Hugo Chávez pela esquerda da Venezuela nos remete a essas origens primitivas do papel sobrenatural do líder.
Segundo Eva Pierrakos4, ao estarmos muito próximos dos líderes é muito comum um sentimento de inveja. Como se eles tivessem nos tirado algo, apesar de não sermos capazes ou não querermos assumir os riscos que a liderança traz. O caminho mais fácil é nos escondermos e deixar o outro liderar, correr os riscos, receber as críticas. Em alguns casos, pode-se desejar até que, melhor ainda seria o líder não ter recompensa nenhuma.
Aliás, a primeira coisa que a liderança traz é a crítica dos outros.
Costumo brincar com meus clientes que a diretoria de cada empresa é como o elenco das novelas das 9h00. Todo mundo comenta os detalhes, todos os mínimos erros, reais ou imaginários.
Até nas tumbas do Egito encontraram uma tabuleta criticando o Faraó Aquenaton, com a citação de que ele era controlado pela mulher. A Bela Nefertiti.
Criticar a liderança é um esporte muito antigo. Mas então quais são os motivos que levam alguém a querer liderar?
Podemos pensar que é a busca de poder, de acesso a privilégios, satisfação do ego, etc. Encontraremos as mais torpes motivações. Mas também é possível sermos motivados pela realização de uma causa, pela alegria de ver o cliente bem atendido, de ver as coisas bem feitas, o seu time crescer, por defender uma causa maior ou, simplesmente, ter a sensação de que é a sua hora e o seu momento. A sensação de que só você pode fazer aquilo.
Em 1940, Winston Churchill, aos 63 anos, assumiu o governo inglês como primeiro ministro, naquele que foi o momento mais negro de toda a história britânica — com a França derrotada, o exército alemão a poucas milhas da costa inglesa do outro lado do canal, e a Inglaterra sozinha, sem aliados. Perguntaram a Churchill como ele se sentia. Responde que nunca se sentira tão bem em toda sua vida. Aliás, foi como se tudo em sua vida até ali fosse apenas uma preparação para aquele momento.
Nas nossas vidas, talvez não tenhamos momentos tão grandiosos, mas você deve se lembrar de algumas situações, como a de uma crise na empresa, no grupo de um projeto, ou num conflito de família, nas quais alguém precisava assumir a liderança, mas ninguém parecia disposto, e, você foi “chamado” a liderar.
Retomando Churchill, temos mais um exemplo no tocante às “recompensas” da liderança.
Em 1940 ele salvou a Inglaterra e a levou à vitória durante a Segunda Guerra. Porém, em 1945, quando estava na Alemanha, em pleno Congresso de Paz, com o presidente americano Harry Truman e o líder soviético Josef Stalin, chega o resultado das eleições britânicas. E, para surpresa de todos, principalmente de Churchill, ele perdeu. “Pode ser uma benção disfarçada”, disse a mulher dele. “Pode ser, mas muito bem disfarçada”, responde.
O ser humano é mesmo complexo, o suficiente para ter diversas motivações para um ato ao mesmo tempo.
Os verdadeiros líderes, os que fizeram diferença na nossa vida pessoal e na história humana o fizeram por amor. Por vezes, dedicados às causas erradas, ou utilizando-se de métodos incorretos, mas eles se doaram. Alguns se dedicaram de tal forma, confundindo-se com as próprias causas, a ponto de tornarem-se ícones vivos delas, como um Mandela, um Chico Mendes ou um Lutero.
Para Jung, Eros era o desejo da perfeição e de integração. Que definição melhor pode haver para liderança, do que a busca pela perfeição e pela integração das coisas e das pessoas?
No filme O mestre dos mares, o capitão Jack Aubrey (Russel Crowe), durante a cerimônia fúnebre de um dos oficiais, por sinal não muito querido como líder pela tripulação, diz: “Nem todos nós nos tornamos os homens que queríamos ser, mas não somos menos filhos de Deus por causa disso”. Eu acrescentaria que ele não nos amaria menos se fracassássemos, desde que tentássemos e desde que fosse por amor.
Notas

  1. Will Durant, história da civilização, volume VII. “Começa a idade da razão”.
  2. Os avós de Carlos V, os reis católicos (Fernando e Isabel) e o imperador Maximiliano e sua mulher Maria de Borgonha, deixaram-lhe como herança a Espanha, a maior parte da Itália, Alemanha, Áustria, países baixos, Boemia, Borgonha e outros territórios.
  3. Os reis taumaturgos – Marc Bloch. O caráter sobrenatural do poder, régio da França e Inglaterra.
  4. Eva Pierakkos – palestra 23. Liderança – A Arte de Transcender a Frustração.

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