Como as empresas familiares podem aumentar sua sobrevivência a longo prazo

Universia Knowledge@Wharton

Em 1997, a Cargill, maior empresa norte-americana de capital fechado, com receita de US$ 60 bilhões e 79.000 funcionários em todo o mundo — apareceu na primeira página do The Wall Street Journal como o maior exemplo das vantagens que as empresas privadas podem acumular.

Segundo o jornal, a Cargill foi capaz de expandir seus negócios de processamento no exterior precisamente porque a gerência não teve que defender sua estratégia para investidores externos e analistas de valores mobiliários. Isso permitiu a ela o luxo de, por exemplo, suportar sete anos de prejuízo na Índia e resistir aos protestos antiocidentais antes de se tornar lucrativa. Na época em que o jornal se interessou pela Cargill, cuja maioria das ações pertencia a cerca de 80 membros das famílias fundadoras, a empresa tinha mais de US$ 8 bilhões em ativos em 65 países e negociava com mais 100. Seus ativos no exterior correspondiam a cerca de 40% do total, enquanto os da rival Archer-Daniels-Midlands Co. só chegavam a 18%.

Ao refletir sobre um ponto do artigo que comenta os recentes sucessos da empresa, o diretor executivo Ernest Micek fez o seguinte comentário: “Conduzir uma empresa como a Cargill exige paciência…”

Timothy G. Habbershon, diretor do Family-Controlled Corporation Program (Programa para Sociedades de Controle Familiar) da Wharton, concordou com ele, embora levasse a análise um pouco mais adiante. Habbershon apontou uma das vantagens potenciais que as sociedades de controle privado têm sobre suas concorrentes públicas — a capacidade de tomar decisões estratégicas de longo prazo com base, em parte, no que se chama “capital paciente”. As empresas só se beneficiarão dessa vantagem, entretanto, se tiverem um grupo de acionistas unificado. Esse é um dos tópicos que Habbershon cobre em sua nova pesquisa chamada “Como Melhorar a Sobrevivência das Empresas Familiares a Longo Prazo”.

O estudo, patrocinado pelo Banco Popular de Porto Rico, vincula a dinâmica do relacionamento entre os acionistas com a percepção que eles têm do risco de manter suas ações. “A maioria das pessoas não pensa que os acionistas das sociedades de controle privado têm um perfil de risco, mas eles têm”, diz Habbershon. Durante os seminários do Programa para Sociedades de Controle Familiar, ele freqüentemente pergunta aos acionistas como o risco de ter ações de uma empresa familiar se compararia ao risco de ter ações de uma empresa pública de primeira linha. “Isso nos dá uma medida de referência de seu perfil de risco. Assim, somos capazes de analisar os fatores que afetam a percepção do mesmo”, afirma.

Essa questão é importante para donos de empresas familiares, principalmente porque parte de seu potencial para obter vantagem competitiva está vinculada à eficiência dos acionistas. “Suponha que o risco seja percebido como sendo alto — porque, por exemplo, os acionistas não confiam mais uns nos outros ou não têm a mesma visão da empresa ou têm metas financeiras diferentes para o futuro”, diz Habbershon. “Então, eles poderiam insistir em vender suas ações ou abrir o capital, duas decisões que poderiam trazer um efeito potencialmente negativo para o futuro da empresa.”

Segundo Habbershon, se há dez anos os acionistas da Cargill tivessem exigido uma estratégia de saída para eles, o único modo pelo qual a empresa poderia ter atendido às suas exigências de liquidez seria abrindo o capital, como a Estee Lauder fez há três anos. “Isso, é óbvio, muda o cálculo de criação de valor da empresa. Abrir o capital não é necessariamente uma má estratégia, mas se você é forçado a uma estratégia desse tipo por causa da desunião entre os acionistas, então vai perder parte da eficiência própria das sociedades de controle privado, sobretudo se as ações não tiverem liquidez”.[Mesmo na Cargill, em 1997, o artigo do jornal mostrou que certos acionistas estavam explorando a possibilidade de converter em dinheiro alguns de seus investimentos. Uma estratégia discutida foi tornar-se uma empresa de capital aberto.

Dois exemplos mais recentes ilustram o ponto de vista de Habbershon. Um envolve uma empresa familiar fabricante de alimentos que tem um grupo de acionistas particularmente unificado. “Seu perfil de risco é baixo, seu nível de confiança é alto e eles funcionam efetivamente como acionistas. Por causa disso, comprometeram-se a reinvestir 90% de seus lucros na empresa e distribuir 10%. É um bom exemplo de capital paciente traduzido em eficiência operacional.”

“Agora, mude o cenário para uma empresa onde o nível de confiança é baixo, a exemplo de uma empresa com a qual trabalhamos na América Latina. Os acionistas não concordaram com a estratégia de longo prazo e se dividiram em facções. Um grupo inteiro — um quinto dos acionistas — está exigindo liquidez, bem no momento em que a empresa precisa expandir suas operações para competir globalmente. O perfil de risco é alto e o capital paciente tornou-se capital exigido.”

Parte da pesquisa do Programa para Sociedades de Controle Familiar enfoca principalmente a dinâmica de relacionamento — as chamadas questões suaves, ou mais subjetivas -em empresas de controle familiar que incluem, por exemplo, o nível de confiança entre os acionistas, o acordo de metas, a cultura participativa e as opiniões sobre a saúde e a competitividade da empresa a longo prazo. “Mostramos que essas questões de relacionamento estão diretamente ligadas à percepção de risco dos acionistas que, por sua vez, têm impacto direto sobre o custo de capital da empresa e sua capacidade de gerar riqueza.”

Ainda segundo Habbershon, “pouquíssimos membros de empresas familiares,especialmente aqueles que são líderes, estão dispostos a investir tempo para unificar os acionistas e profissionalizar as estratégias e estruturas com as quais interagem”. Isso foi conseguido pelo grupo do El Nuevo Dia, jornal de San Juan, Porto Rico, que participou do estudo e que pertence à família Ferre, também controladora de uma empresa pública de cimento, uma gráfica e uma empresa na Internet. O diretor executivo, Antonio Luis Ferre, conduziu os negócios por 30 anos. Na década passada, estabeleceu um sistema de reuniões familiares a fim de preparar seus cinco filhos para serem futuros líderes da empresa.

Recentemente, começou a afastar os gerentes seniores — inclusive membros que não eram da família — como um meio de melhorar a comunicação e quebrar as restrições típicas que existem em um sistema de gerenciamento hierárquico.

“Tudo isso foi resultado direto dos esforços do grupo de acionistas para gerar confiança, unidade e harmonia entre os membros da família e entre os acionistas e a gerência”, diz Habbershon. “A empresa prosperou e se expandiu; seu valor aumentou sensivelmente… Apenas em empresas de capital fechado ou de controle privado os acionistas podem influir pessoalmente no conjunto de recursos da empresa, tirando proveito da eficiência de sua intervenção.” Então, por que tão poucas empresas de controle familiar preocupam-se com as questões de dinâmica de relacionamento e perfil de risco? Habbershon cita três motivos:

Primeiro, por serem consideradas questões leves, não foram incutidas na educação ou formação da maioria dos empresários. Segundo Habbershon, “os gerentes são treinados para liderar com base em conteúdos e as decisões são tomadas de forma racional, linear. Eles não percebem que conhecimentos sobre o processo efetivo são necessários para o sucesso”.

“Dizemos que uma empresa precisa de quatro tipos de recursos para competir: humanos, físicos, organizacionais e processuais. Estamos falando aqui de processo. É o compromisso e a capacidade que os indivíduos e grupos têm para interações efetivas. Se você aumenta seus recursos de processo, melhora também os outros recursos na organização.”

Segundo, os líderes de empresas aprendem e, intuitivamente, sentem que precisam construir uma parede entre família e negócios. “É verdade que, se existe potencial para conflito nas empresas familiares, isso fica entre a família e o negócio, mas também é verdade que, se existe potencial para uma vantagem competitiva nas empresas de controle privado e familiar, é somente porque existe interação entre a família e o negócio. Portanto, nossa meta não é construir uma parede.”

“Atualmente trabalhamos com uma empresa da América Latina na qual o consultor levantou uma parede que estamos pondo abaixo. A maioria dos consultores acha que profissionalizar é tirar a família e trazer gerentes profissionais de fora; nós acreditamos que é estabelecer estruturas e diretrizes que orientem a interação da família com o negócio. Porque, se você não faz isso, perde o potencial para aproveitar parte dessa vantagem inerente.”

Terceiro, as empresas não se preocupam em construir relacionamentos porque suas raízes são familiares, não orientadas para o negócio. “É muito difícil transformar a dinâmica familiar intuitiva em estratégia comercial intencional. As famílias desenvolvem estilos de comunicação, por exemplo, que são trazidos para a empresa. Assim, se você é de uma família em que todos gritam uns com os outros dentro de casa, onde isso pode não significar muita coisa, provavelmente não percebe que esse comportamento resulta em custos quando praticado na frente dos funcionários.”

Isso levanta a questão das relações familiares em geral. Algumas são mais problemáticas do que outras? Qual é o impacto disso tudo? O principal, diz Habbershon, “é mudar de um relacionamento entre pai e filho para um relacionamento entre iguais — por exemplo, o pai trata o filho como um igual e o filho trata o pai como um igual. É a transição mais difícil a fazer numa empresa familiar, mas as conseqüências de não fazê-lo podem ser terríveis. Considere o grupo Dart, por exemplo, “cujo diretor executivo/fundador Herbert Haft tirou seu filho e herdeiro Robert Haft do conselho de administração e de cargos executivos na empresa, em parte porque sentiu que Robert —considerado por todos um líder que tinha ajudado a profissionalizar a empresa— estava agindo de forma independente demais.

Um caso mais raro, conta ele, é o de uma empresa norte-americana de terceira geração que tem uma enorme vantagem competitiva em sua tecnologia. “Mas a tecnologia é historicamente intuitiva, residindo em particular em um filho da atual geração. Ele é brilhante. Cresceu na empresa, não tem diploma de engenheiro, mas concebeu importantes projetos na fábrica. Esse é um recurso familiar inerente, eficiência de múltiplas gerações. Uma empresa familiar pode formar indivíduos para ter esse conhecimento.”

“Se o relacionamento entre gerações —nesse caso entre pai e filho— se deteriorar, a empresa perderá seu know-how tecnológico. Se houver um conflito, será muito difícil manter as boas relações entre as gerações… Uma das vantagens das empresas de controle familiar é o relacionamento entre acionistas e gerentes. As empresas públicas têm de conceder opções sobre ações para que as pessoas se sintam suas proprietárias. Nas empresas familiares isso é inerente, a menos que haja conflitos. Aí você perde duas vezes. Os acionistas começam a fazer exigências e você perde a relação que lhe permite intervir. E, nesse caso, também pode acabar ficando sem a vantagem tecnológica.”

Em sua pesquisa, Habbershon identifica os fatores que favorecem uma perspectiva positiva de risco por parte do acionista. Eles incluem uma cultura participativa, confiança na gerência, um meio formal de avaliar as ações, a definição dos valores e missão da empresa e a satisfação pelo modo como as necessidades financeiras são atendidas. O autor também sugere os passos que uma empresa pode seguir para assegurar um capital paciente. E, o mais importante, as reuniões entre membros da família provaram alterar positivamente a percepção de risco dessas pessoas. Outras atividades são: realizar reuniões regulares com os acionistas, conduzir sessões de planejamento estratégico com os acionistas/proprietários, criar opções de liquidez e enfocar a unidade da família e o controle futuro.

“O principal é que nós demonstramos que a dinâmica de relacionamento está diretamente ligada ao valor econômico da empresa”, afirma ele. “Recentemente trabalhamos com uma grande prestadora de serviços fora dos EUA onde o pai, que morreu repentinamente, tinha feito pouco para preparar seus cinco filhos para atuarem como parceiros no negócio. Surgiram desentendimentos entre os acionistas/membros da família, e o que tinha sido 100% de capital paciente transformou-se em capital exigido. A empresa foi forçada a pagar enormes somas para adquirir as ações de alguns acionistas. Acabamos ajudando o grupo a se incorporar a uma empresa pública porque eles não tinham mais recursos financeiros para continuar como uma entidade privada independente.”

Um dos problemas que as sociedades de controle familiar devem encarar é que os padrões negativos também são sinérgicos e muito mais fáceis de permanecer que os positivos, diz Habbershon. “Isso significa que os líderes precisam intervir intencionalmente, o que, muitas vezes, quer dizer agir contra a intuição. Por exemplo, demonstramos que a confiança é um antecedente da concordância. Então, se você quer concordância em sua família, deve gerar confiança. A tendência natural quando você não confia em alguém é dar-lhe menos informação. Dizemos aos gerentes das empresas familiares para fornecer mais informações. A tendência natural é não fazer reuniões e recomendamos aos gerentes que as façam mais. A tendência natural é colocar tudo em termos racionais, lineares e dizemos a eles para enfocar o relacionamento.”

“O objetivo é evitar que os acionistas assumam direitos que não são deles, o que destrói a confiança —como tentar gerenciar a empresa— e devolver os direitos que a dinâmica familiar tirou deles, como contribuir para a seleção dos membros do conselho de administração. Isso gera confiança.”

A chave da sobrevivência e competitividade das empresas de controle privado ou familiar, segundo Habbershon, “é criar um grupo de acionistas com autoridade. Isso significa definir seus direitos e responsabilidades e estabelecer boas relações familiares.”

http://www.wharton.universia.net/index.cfm?fa=viewArticle&id=249&language=portuguese

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