Em entrevista exclusiva, Jair Moggi explica como a mudança do paradigma de pensamento linear para o “pensar do coração” nas organizações pode gerar saltos quânticos, qualitativos, nos resultados dos negócios.
Até por conta do regime militar, como sabemos, o Brasil ficou muito atrasado no que se refere a competitividade nos negócios. Quase todos os avanços que registramos datam da década de 1990 para cá. Mas agora essa cultura da competição parece estar fazendo com que as pessoas sofram, como mostramos em diferentes artigos em HSM Management nº 66. Qual é a saída? A competição desenfreada, inclusive interna às empresas, é realmente fundamental para o sucesso?
A reflexão que sugiro no tocante a essa pergunta parte da seguinte constatação: o que se consegue com a emulação da competição é tirar o melhor e o pior das pessoas.
Um filme na praça que recomendo a todos os executivos e pessoas que se interessam pelo tema é Enron – Os Mais Espertos da Sala, distribuído pela Paris Filmes. Não é obra de ficção, é um documentário que reúne depoimentos reais e documentos e vídeos internos da empresa, apresentados na CPI do Senado americano, sobre o caso Enron. O filme é muito rico porque mostra o mal, como fenômeno espiritual, atuando numa organização de maneira muito explícita –e deu no que deu. O lado mais chocante do filme, para mim, é ver que foi uma cultura empresarial movida a competição que levou pessoas a fazer o que fizeram, reduzindo a pó bilhões de dólares, só para ficar nos danos materiais.
Então, qual é a alternativa para tirar o melhor das pessoas sem arriscar a tirar também o pior delas?
Eu acredito em valorizar o conceito de visão espiritual nas organizações. Como aglomerados humanos permanentes, as empresas são verdadeiras entidades coletivas vivas e, portanto, têm natureza espiritual, quer queiram, quer não.
Por quê? Explico. Quando um grupo de pessoas se junta com algum objetivo comum, seja ele qual for –desde fundar uma associação até criar um negócio–, elas estão se dedicando a um objeto imaterial –uma idéia, uma intenção, uma vontade, com pensamentos, sentimentos, atenção, trabalho e ações. E, por isso, elas acabam gerando uma cultura, um ambiente, um espírito coletivo.
O espiritual está naquilo que é imaterial para a empresa, aquilo que não pode ser apropriado pelos donos do capital, porque está inscrito na essência das pessoas, como idéias, valores, símbolos, conhecimento, informações, que circulam entre elas e no grupo etc. É disso que se alimentam as pessoas, é o que elas procuram: identidade com as demais pessoas, com as empresas, com as marcas, com um ideal, com os produtos, com os serviços.
Em minha opinião, a espiritualidade é o grande capital da nossa era, uma megatendência que influenciará, daqui para frente, todas as outras. O espiritual, que também pode ser definido como o impalpável, o simbólico, o tipicamente humano, é o que predominará nas próximas décadas. As artes terão mais valor, a sensibilidade e a beleza serão cada vez mais procuradas, a ética não poderá ser descartada jamais, a verdade e a transparência nas relações serão cada vez mais valorizadas.
Mas essa espiritualidade tem algo a ver com religião?
Isso seria complicado, não?
Seria complicado, sim, tem razão: se há algo que as empresas não precisam neste estágio de desenvolvimento da humanidade é trazer para suas fronteiras internas o proselitismo religioso com todas suas conseqüências nefastas vistas ao longo da história. A espiritualidade nas organizações não deve ser confundida com religiosidade, de modo algum.
Essa espiritualidade tem de ser compreendida não a partir do misticismo, mas no seu sentido místico lato, que significa aquilo que não vemos, mas intuímos existir, aquilo que todas as tradições e culturas respeitam como sagrado, como amor, respeito à vida, livre-arbítrio, verdade, bondade, beleza, compaixão, integração e assim por diante.
Uma forma de olhar a espiritualidade na empresa é você pensar o seguinte: há tantas empresas onde trabalhar, tantas profissões a escolher, tantos negócios a se dedicar, mas o destino o colocou nessa empresa, com esses chefes e subordinados, com esses desafios. O que isso pode significar para você? O que o destino quer que você aprenda aí? Nessa perspectiva, as organizações tornam-se verdadeiros espaços de aprendizagem e de desenvolvimento –inclusive espiritual– para indivíduos e grupos no presente e no futuro.
Na essência, quando falamos de espiritualidade nas organizações, estamos falando em elevar os níveis de consciência das pessoas e dos grupos numa perspectiva integrada cujo equilíbrio entre o qualitativo e o quantitativo possa ser perseguido com consciência.
Saiba mais sobre empresas que já abraçaram essas idéias
Como lembra Jair Moggi, todas as grandes tradições reconhecem uma máxima que diz “Quem tem experiências espirituais não fala e quem fala não as tem”. “Essa é uma sabedoria antiga e acho importante respeitar”, afirma o consultor. Contudo, pela lista de clientes da firma de consultoria integrada por Moggi, a Adigo, disponível no site, pode-se ter uma idéia das organizações sediadas no Brasil que, pelo menos, mostram interesse por esse ponto de vista diferenciado: Alcoa Alumínio, Banco ABN Amro Real, Bosch Freios, Caramuru Alimentos, Construtora Passarelli, Diageo Brasil, Grupo Tejofran, Hospital Albert Einstein, Johnson & Johnson, Laboratórios Abbott, L’Occitane do Brasil, Medial Saúde, Método Engenharia, Microsoft, Motorola, Natura, Nextel Telecomunicações, Nokia do Brasil, Novelis do Brasil, O Boticário, Petrobras, Pfizer, Porto Seguro Seguros, RBS Zero Hora Editora Jornalística, Sabesp, Siemens, Souza Cruz e Visanet, entre outras.
Entre os livros de autoria de Moggi que desenvolvem a espiritualidade no meio empresarial destacam-se Gestão Viva (ed. Gente), O Espírito Transformador (ed. Antroposófica), Como Integrar Liderança e Espiritualidade e Assuma a Direção de sua Carreira (ambos, ed. Negócio, em co-autoria com Daniel Burkhard).
Quais as resistências a esse tipo de abordagem no mundo empresarial atual do Brasil?
Como muitos dos novos paradigmas que querem emergir transcendem os aspectos físico-sensoriais, eles não são comprováveis cientificamente e, assim, acabam provocando a resistência das pessoas apegadas ao paradigma materialista, que chamam isso de charlatanismo, delírio, bobagem. Tais pontos de vista escondem um preconceito que rejeita qualquer idéia que não corresponda a seu modo de ver o mundo.
Por que o preconceito?
Romper paradigmas provoca incertezas e inseguranças, e exige coragem. Mas o que está por trás desse preconceito realmente é o atual estágio de consciência do ser humano, caracterizado pela consciência racional-lógica, que é baseada no pensamento linear e positivista. Toda a ciência moderna é baseada na consciência racional e o materialismo é fruto desse pensar racional. Na história da humanidade, o pensar racional foi uma grande conquista, é claro. Com ele conseguimos nos distanciar das forças da natureza, do medo dos deuses e nos tornamos seres humanos livres de superstições.
No entanto, esse pensar faz com que a pessoa se limite apenas ao mundo dos sentidos (conhecimento material), vivendo no âmbito de um mundo limitado, o que é muito pobre diante do potencial que se descortina diante de nós quando conseguimos conciliar matéria e espírito em nosso processo de desenvolvimento individual e coletivo.
Esse pensar nos encalacrou em uma “jaula existencial”, a princípio intransponível. E já percebemos também que esse pensar está nos levando a um beco sem saída – basta ver o problema social a nosso redor e a questão ambiental que afetam a todos, independentemente de qualquer fronteira. O fato é que o pensar racional-lógico já atingiu seu auge.
Pensar do cérebro X pensar do coração
Pensar do cérebro | Pensar do coração |
---|---|
lógico | supralógico |
quantitativo | qualitativo |
sólido | fluido |
físico | etéreo |
científico | artístico |
morto | vivo |
passivo | ativo |
conservador (voltado para o passado) | criativo (voltado para o futuro) |
racional | imaginativo |
segue a linguagem de Jeová (Antigo Testamento) |
segue a linguagem do Cristo (Novo Testamento) |
Como seria um pensar diferente, fora da jaula?
Nossa jaula existencial pode ser rompida a partir de novos estágios de consciência. Rudolf Steiner, fundador da antroposofia, caracteriza os três futuros graus de evolução da consciência: a imaginativa, a inspirativa e a intuitiva, mas podemos resumir os três, para facilitar o entendimento, na expressão “o pensar do coração”.
Em primeiro lugar, é importante destacar que o pensar do coração não significa colocar as emoções no pensamento ou na ação. A diferença é a seguinte: se, no estágio de consciência atual, só conseguimos ter um pensamento após o outro –portanto, um pensamento linear –, no pensar do coração, pensamos em círculos, simultaneamente, sobrepondo pensamentos com consciência. Podemos dizer que, nesse tipo de pensamento, os fatos estão ao redor do “eu” em círculos e não linearmente, tendo o “eu” então a possibilidade de, num relance, percebê-los simultaneamente e formular juízos, julgamentos, a partir disso [veja quadro na página 4].
Muitas vezes, eu chego a uma conclusão, ou solução, antes de fazer um raciocínio prévio. Relato isso para meu interlocutor, aí ele invariavelmente me pede as razões que levaram a isso e então eu construo o raciocínio. Isso é um modo de pensar em círculos?
Com certeza! O importante ao construir o seu raciocínio é lançar mão do seu repertório pessoal, que inclui experiências, vivências e informações com o tema, além dos argumentos racionais, é claro –se existirem. Fundamental nesse diálogo é criar um “pano de fundo” amplo da questão com perguntas de essência mapeando o que incomoda o interlocutor, para que você consiga penetrar em seu referencial e assim falar para seu [dele] pensar e sentir, tocando o seu [dele] querer. É como se você pudesse entrar no referencial dele e, a partir disso, construir novas respostas. E isso já é um outro lado de sua intuição que tem de entrar em ação.
Então, quando falamos de espiritualidade nas empresas, falamos de antroposofia nas empresas. É isso? É essa a linha de trabalho da Adigo, que, eu sei, tem trabalhado para grandes empresas brasileiras e multinacionais?
Antroposofia, que também é designada de ciência espiritual, significa, literalmente, sabedoria sobre o ser humano e contempla o ser humano em suas dimensões física, energética, emocional e espiritual, além de suas relações com os reinos mineral, vegetal, animal, humano e planetário.
Nosso trabalho com consultores de gestão é orientado por essa filosofia, que tem dado resultados satisfatórios em inúmeros projetos de consultoria ao longo dos últimos 30 anos, tanto no Brasil como no exterior.
É possível para qualquer pessoa desenvolver essa nova forma de pensar?
O conhecimento antroposófico nos ensina que é perfeitamente possível, sim, desenvolver a nova consciência do pensar do coração, independentemente do pensar cerebral e dos fatos externos. Mas ele só pode ser desenvolvido se já tivermos chegado ao máximo de nossa capacidade racional-lógica. Esse paradoxo faz sentido, pois o processo de consciência só é possível quando temos clareza [lógica] no nosso pensar.
Talvez o primeiro ato – de coragem – para desenvolver essa nova forma de pensar fosse, perante todo fenômeno desconhecido e novo, formular uma pergunta: “Por que não?”.
Explique melhor, por favor, como essa espiritualidade colabora para o sucesso
de um negócio…
Quando uma organização sai do paradigma de pensamento linear “primeiro planejar, depois executar e na seqüência controlar” para o paradigma do “pensar do coração”, ela realiza essas ações simultaneamente, resultando daí saltos quânticos, qualitativos, em vez de apenas melhorias adicionais em resultados quantitativos. Outro efeito é a recuperação ou revitalização dos ambientes de trabalho tornando-os mais humanos e motivadores, o que contribui para a redução do estresse e potencializa a aplicação de todos os recursos materiais e imateriais utilizados nos processos de geração de valor.
Essa espiritualidade consegue, por exemplo, estimular muito mais a inovação e a criatividade. Afinal, é o paradigma da empresa orgânica, viva, que passa a vigorar, em substituição a um organismo frio, rígido, apático, distante da realidade e das pessoas, características essas que são as maiores assassinas da criatividade individual e coletiva no mundo empresarial.
O que seria uma liderança espiritualizada, antroposófica, nas empresas?
A liderança baseada na espiritualidade é calcada em preceitos éticos e morais elevados, porque o mundo espiritual e o mundo moral são sinônimos. É o que reconhecemos em todas as tradições espirituais da humanidade. Isso quer dizer que qualquer decisão ou ação de pessoas que ocupam posições de liderança deve obedecer a critérios éticos-morais elevados, para que possam fazer diferença no mundo físico e no mundo espiritual. Isso é bem difícil, reconheço: as tentações e os valores que orientam o mundo dos negócios sempre nos colocam frente a frente com o que é ético e com o antiético, entre o que é moral e o que não é.
Quais são outras características de um líder empresarial mais espiritualizado?
Quando fazemos coaching de “líderes de líderes”, deixamos claro que, embora isto só não seja suficiente, um líder deve se preocupar primeiramente em desenvolver em si, e depois em seus subordinados, atributos da seguinte natureza:
1) ter um processo pessoal de autodesenvolvimento contínuo de suas potencialidades e competências pessoais;
2) saber fazer uma auto-avaliação honesta de suas atitudes e comportamentos;
3) ter perspectiva de tempo;
4) saber aproveitar criativamente suas experiências;
5) ter um processo individual de prioridades pessoais;
6) reconhecer a necessidade de meditar;
7) ter, sobretudo, profundo amor pelas pessoas.
Como garantirmos para nós mesmos que faremos esse autodesenvolvimento contínuo e uma auto-avaliação sincera?
Esse autodesenvolvimento deve passar a ser encarado como um meio de proteger a própria independência e integridade pessoal e profissional, além de servir como técnica de preparação para enfrentar os momentos difíceis e penosos da vida.
Já para fazer uma auto-avaliação honesta, é preciso ter a capacidade de descobrir e aceitar as forças e fraquezas presentes em nós e nos outros, seja nos superiores, pares ou subordinados. O argumento para isso é que a capacidade de dirigir e orientar a si próprio para metas com a consciência de suas virtudes e não-virtudes se mostra fundamental para quem quer orientar organizações, que se tornam cada vez mais complexas.
Você mencionou também a necessidade de ter uma perspectiva de tempo e saber aproveitar criativamente as experiências. O que vêm a ser esses atributos?
A perspectiva de tempo tem a ver com saber avaliar o presente em relação ao passado e ao futuro, identificando tendências que ainda não são evidentes. É preciso saber fazer isso com rapidez e prontidão, porque a cada momento se apresentam milhares de oportunidades, das quais apenas uma poderá ser escolhida e transformada em realidade.
Sobre o aproveitamento criativo das experiências, eu me referi à capacidade de descobrir novidades mesmo em experiências que se repetem e, principalmente, nos erros cometidos, os quais devem sempre levar em consideração a necessidade de avaliar genuinamente os próprios interesses e os dos outros.
E como funciona o processo de prioridades?
Um líder apenas poderá suportar os conflitos de valores no dia-a-dia, no contexto de suas múltiplas responsabilidades perante os outros, se seus próprios valores estiverem claramente identificados, e também estiver compreendida a importância relativa entre cada um deles. É o que significa ter um processo individual de prioridades pessoais. Esse processo funciona como uma bússola existencial para determinação do curso adequado para as ações e decisões pessoais.
Agora, algo que me surpreendeu foi a necessidade de meditar. Já imaginei os executivos de terno sentados em posição de iogues no escritório entoando mantras [risos]. É isso?
Esse é outro “pré-conceito” que precisa ser mudado e essa questão sempre assusta alguns mesmo. Essa prática desenvolve nas pessoas a vontade, no sentido de fazer algo que ninguém cobrará delas ou as obrigará a fazer. É um compromisso ou um hábito que elas vão assumir para si mesmas no sentido de auto-reflexão e polimento de sua essência como ser humano. É importante também ressaltar que idéias realmente criativas não se apanham no ar e dificilmente durante o curso das tarefas diárias. É preciso criar tempo para refletir, analisar profundamente as experiências, a fim de deixar espaço para que nasça algo novo que seja imaginativo, inspirador e intuitivo não só para o líder, mas
também para seus liderados.
Garanto que o líder que incorpora em seu jeito de ser o hábito de meditar sofre menos conflitos de valores. Ao meditar, forças que não imaginava são disponibilizadas para encorajá-lo nas situações e ações em que perderia a liberdade de agir.
Quanto ao modo de meditar, cada um escolhe aquele com que mais se identifica: sempre vale a pena, qualquer que seja a tradição filosófica ou religiosa.
Claro, eu estava brincando: eu medito de vez em quando e sei que é algo que nos faz muito bem. E quanto ao “profundo amor pelas pessoas”? Como o chefe que puxa o tapete do subordinado hoje vai amá-lo amanhã?
Pois esse amor é essencial. Nenhum atributo marca tão profundamente um líder quanto este. Ele deve utilizar o amor em seu sentido maior. Não estou falando de o líder ser “bonzinho”, veja bem, e sim de ele fazer o que precisa ser feito tendo o amor como fonte de motivação e de vínculo com o mundo, por meio de sentimentos de identidade, integridade, veneração e gratidão.
Quanto a “puxar o tapete”, é um sintoma no mínimo de amoralidade, para não dizer antiético. O líder verdadeiro não compactua com quem faz isso, não age assim e não estimula esse tipo de comportamento, pois, se “puxar o tapete”, está prejudicando a si mesmo, antes de tudo.
Em que medida esse comportamento difere do adotado pelos líderes do passado recente?
Os líderes dos anos 70, 80, 90 eram mobilizados mais para ações e situações voltadas para aspectos quantitativos do que qualitativos. Hoje os aspectos quantitativos já são, de certa maneira, garantidos ou potencializados pelo avanço da tecnologia e pela incorporação de metodologias de gestão voltadas para a melhoria contínua. O conhecimento técnico era privilegiado –e tinha uma duração muito maior do que tem hoje. Nos tempos atuais, você compra conhecimento técnico, já virou commodity. O que importa é ter habilidades sociais e lidar com aspectos qualitativos. Até porque o nível cultural e o de consciência dos subordinados são muito maiores. O mesmo acontece com pais e filhos de hoje, basta notar.
Esses atributos fazem parte de algum sistema filosófico ou religioso específico?
Se formos à origem de todas as grandes religiões ou sistemas filosóficos, vamos encontrar quase que sempre a mesma essência: a apologia, e a permanente busca, da integridade, do livre-arbítrio, da verdade, da beleza, da bondade, da fraternidade, da igualdade, da liberdade, do respeito à vida, da honestidade, da ética, da moral, de ações conscientes no dia-a-dia e do amor em seu sentido mais nobre. São quase que atributos ou características eternas que dão sentido e significado a nossas questões mais existenciais. Nesse sentido, a resposta a sua pergunta é sim, eles fazem parte desses sistemas filosóficos ou religiosos.
O alerta a fazer é que isso tem que ser entendido, visto e praticado no âmbito do espaço de liberdade individual de cada um. Caso contrário, corre-se o risco de termos líderes fundamentalistas, manipuladores, que continuarão a repetir o passado.
Quais seriam exatamente os benefícios decorrentes de posturas como essas?
Líderes que perseguem esses atributos com consciência chegam a decisões mais criativas e com confiança. São intuitivos sem esquecer a razão. São capazes de lidar com conflitos e paradoxos de forma natural e com os aspectos intangíveis que se apresentam em todas as situações. Aceitam o que talvez ainda não possa ser compreendido ou controlado. Trabalham com as contingências de forma criativa e aceitam também o fato de que um ser humano não recebe de presente, nem tem inato, suficiente discernimento para conciliar seus valores pessoais com as práticas da vida empresarial.
É possível mesmo agir dessa forma no dia-a-dia, com todas as pressões a que somos submetidos?
É bem difícil, claro! Mas, como seres humanos, somos imperfeitos e podemos sempre melhorar. Em termos espirituais, essa é a grande aventura! A aventura definitiva, diria eu. O importante é tentar sempre, mesmo quando você sabe que seus ideais não poderão ser atingidos.
Nesse caminho do desenvolvimento interior, o importante não é o resultado, e sim o processo. O esforço que despendemos para caminhar nessa direção torna nossa alma mais acordada, mais presente e com uma visão ampliada.
Soa meio místico isso de desenvolvimento interior, não?
Não tem nada a ver com misticismo! É um caminho consciente de auto-educação, autodesenvolvimento e autocondução a partir da própria essência espiritual de cada um. Se você busca isso com boa fé, consciência e genuíno interesse, o risco de “viajar na maionese” não existe.
Como é o processo de desenvolvimento interior, rumo a essa liderança espiritualizada?
Basicamente o processo inclui os seguintes aspectos:
1) Fortalecer o pensar para compreender os fenômenos do mundo.
2) Fortalecer o sentir para julgar com certeza o que é justo.
3) Fortalecer o querer para interferir com coragem na vida.
A condição básica para um caminho interior é o cultivo de um sentimento de devoção à verdade, à sabedoria, à vida. Quem teve a sorte de poder cultivar esse sentimento quando criança tem enorme vantagem sobre quem não teve essa sorte.
Infelizmente, vivemos numa época em que as possibilidades de cultivar o sentimento de devoção são cada vez mais difíceis de ser encontradas. Nossa época dá muito mais ênfase à crítica e ao julgamento negativo do que ao cultivo de um sentimento de devoção.
As palavras “devoção”, “devoto” até são malvistas em determinados círculos…
Sim, mas acho que as aulas de ecologia nas escolas podem resgatar o sentimento de devoção perante a sabedoria existente na natureza, por exemplo. Podemos afirmar que, quanto mais eu consigo me aprofundar no sentimento da devoção, tanto mais eu sou capaz de erguer a cabeça acima das mazelas da vida diária e aí me aproximar da liderança espiritualizada.
Outra condição básica para qualquer processo de autodesenvolvimento espiritual é a calma interior. Para ela, contribui muito a opção pelo processo meditativo.
Faça uma sugestão prática de como pode ser esse processo, por favor.
Podemos criar momentos de silêncio interior, não mais do que cinco minutos por dia, em que tentamos diferenciar o importante do corriqueiro. É quando podemos conscientemente olhar para o nosso pensar, sentir e querer nas ações do dia-a-dia como se fôssemos uma pessoa de fora, estranha a nós mesmos. É quando invocamos o eu superior, que é portador de uma sabedoria eterna.
Quem consegue se autodisciplinar para essa prática percebe um poderoso efeito positivo no sentido de maior certeza interior de condução da vida e das situações do dia-a-dia.
Então, meditar de vez em quando, como eu faço, não basta. Precisa haver regularidade?
Sim, o mais importante é a regularidade do exercício, não sua duração. Se você praticou cem vezes e desistiu, talvez seja na 101ª vez que aparecerá o que você procura. Essa é a recomendação.
Mas isso é meditação mesmo? Meditar não significa esvaziar a mente por completo?
Como disse, é importante buscar a metodologia que mais atende você. Disciplinar-se rotineiramente para parar e refletir sobre suas ações no dia-a-dia sem cair na armadilha de se envolver de novo na situação que você evocou já é um grande esforço de domínio do seu pensar, do seu sentir e da sua vontade. Nesse caminho, chegar ao esvaziamento da mente não é muito difícil.
Quais são os efeitos disso?
Após algumas semanas já sentiremos grande transformação interior. Nossa maneira de se comportar e de agir se torna mais calma e mais segura. Imprevistos já não conseguem mais nos atropelar interiormente.
Como se pode reconhecer uma empresa espiritualizada, com líderes espiritualizados?
A espiritualidade é um caminho, acredito que nunca se chega lá. Veja as empresas que não aparecem ou aparecem pouco na mídia, mas são estáveis, com crescimento contínuo, com lideranças que falam apenas quando indagadas, que têm programas de sustentabilidade ou de responsabilidade social desvinculados de marketing institucional ou vinculados apenas por razões plausíveis. Observe as que em sua história registram ações a favor da ética e não do meio-termo; onde existem personagens vivos ou mortos que se perpetuam por meio de histórias reais em que os exemplos de retidão e caráter de suas lideranças-chave foram desafiados e confirmados, onde os funcionários têm orgulho de dizer o que produzem etc.
Já uma empresa que alardeia sua espiritualidade não é uma empresa que entendeu isso em seu contexto mais sutil.
Para finalizar: qual é a importância disso tudo na cultura empresarial brasileira? Somos um povo particularmente espiritualizado, não? Não tem um jogador de futebol brasileiro, por exemplo, que não faça o sinal da cruz em campo…
A “alma brasileira”, como expressão de nossa identidade, com certeza é mais aberta ao tema da espiritualidade do que outras culturas, sim. Em contatos com consultores internacionais, vemos que eles ficam admirados com a forma com que tratamos esse assunto aqui.
Há 30 anos trabalho com esses conceitos no contexto empresarial, e sempre com muita demanda. Temos na Adigo um programa de formação de líderes que leva em consideração conceitos dessa natureza e já está em sua 72ª edição, com carga horária de 220 horas, quase um MBA, e está sempre lotado. Temos também um programa de aprofundamento desses conceitos de quase 400 horas que está em sua 6ª turma. Temos feito programas fechados dessa natureza em muitas empresas e programas abertos em diversas regiões do país. Acredito que isso pode ser um indicativo da receptividade
desses conceitos em nosso meio. Mas, a meu ver, há ainda um caminho longo a ser percorrido.
Entrevista foi concedida a Adriana Salles Gomes, editora executiva da HSM Management Update nº 52 – Janeiro 2008