O que o Vietnã me ensinou sobre estratégia

Crescer não é endurecer, é aprender a se dobrar sem se quebrar.

Quando cheguei ao Vietnã, confesso que esperava encontrar um país ainda preso à própria história. É difícil não lembrar das imagens de guerra, do noticiário, dos filmes. Mas bastam poucos dias ali para perceber que a lógica que move aquele povo hoje é outra, a da reconstrução paciente, pragmática e, sobretudo, coletiva.

O Vietnã decidiu crescer sem se aprisionar ao ressentimento. Transformou antigos inimigos em parceiros e transformou o passado em combustível para o futuro. Isso, para mim, é estratégia no seu estado mais puro.

O que mais impressiona é a coerência. É um país que vive, no dia a dia, aquilo que muitas empresas tentam escrever em seus planejamentos: propósito, colaboração e visão de longo prazo. Nada disso está no discurso, está nas atitudes.

Em Hanói, em meio ao trânsito caótico de motos e buzinas, um guia me disse: “Somos amigos de todos e inimigos de ninguém.” A frase parece diplomática, mas não é só isso. É um modo de operar. O Vietnã mantém relações comerciais com países que um dia foram seus adversários — Estados Unidos, França, China — e faz disso uma vantagem competitiva. Cresce abrindo portas, não fechando fronteiras.

E não é ingenuidade, não. É cálculo, é método. O país criou uma espécie de hierarquia de parcerias: estratégicas, abrangentes, ideológicas. Cada uma com o seu grau de envolvimento, na medida certa. É a lógica da proximidade sob medida: colaborar sem perder autonomia.

Enquanto ele me explicava isso, eu pensava nas organizações com as quais trabalho. Quantas delas não sofrem justamente por tentar colocar todos os relacionamentos no mesmo molde? Nem toda parceria precisa de intimidade. Nem toda relação deve ser simétrica. Maturidade estratégica é saber quando aprofundar, quando recuar e como continuar se movendo.

Talvez o que mais me tocou tenha sido perceber que o Vietnã não tenta apagar suas feridas, mas também não se define por elas. É um país que fala de guerra sem rancor, e de futuro sem ansiedade. Em várias conversas, ouvi referências ao bambu — símbolo nacional de resiliência. O bambu se dobra com o vento, mas não quebra. Cresce rápido, mas tem raízes profundas. É uma metáfora simples, mas poderosa.

E me fez pensar: quantas empresas deixam de prosperar justamente por endurecer demais? A rigidez dá a ilusão de controle, mas é o que impede o aprendizado.
O crescimento vietnamita é constante — mais de 6% ao ano —, mas o que realmente impressiona é a coerência entre intenção e prática. Eles investem em tecnologia, infraestrutura e qualidade de vida. Querem prosperar, sim, mas de um jeito que beneficie o coletivo. E isso, no mundo empresarial, ainda é raro.

Observar o Vietnã é como observar uma empresa madura. Ele sabe o que quer, define bem suas parcerias, respeita a diversidade e segue com leveza. E, acima de tudo, entende que crescer é escolher o que deixar para trás.

Talvez essa seja a principal lição para quem está revisando o planejamento de 2026: refletir sobre quais alianças ainda fazem sentido, quais conflitos já perderam relevância e o quanto a sua empresa consegue se adaptar sem perder o rumo.

No fim das contas, estratégia é só o nome que a gente dá à arte de fazer escolhas coerentes com o futuro que quer viver. E o Vietnã ensina isso com a serenidade de quem já entendeu: não há futuro promissor para quem insiste em lutar as guerras do passado.

Marcello Cavallieri Gomes - Adigo ConsultoriaMarcello Cavallieri
Sócio e consultor da ADIGO. Há mais de 20 anos ajuda organizações a atravessar fases decisivas com escuta ativa, clareza de contexto e construção conjunta. Seu trabalho conecta cultura, estratégia e liderança como partes de um mesmo sistema vivo, para que as mudanças realmente aconteçam.

Envie um e-mail para Marcello Cavallieri Gomes.

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